domingo, 28 de novembro de 2010

SAIU NA CONSULEX

A CONJUNTURA ATUAL

31/05/2010

Todos são corruptos. Esta a terrível constatação do cientista político Bolívar Lamonier.

Não deixa de ter motivos o ilustre professor, ao proferir libelo incisivo e grave, do qual não isentou setor algum da sociedade. Breve lançar de olhos sobre notícias divulgadas nos últimos anos, pelos meios de comunicação, coloca-nos diante de vasto painel a nos mostrar como o peculato, a prevaricação, o estelionato, a fraude, a venda de sentenças, a violação de sigilo, a associação em quadrilha ou bando, e um sem-número de outras modalidades criminosas passaram a integrar a rotina da vida brasileira, a ponto de tornar insuficiente o acervo de delitos tipificados no Código Penal.

O Brasil de hoje me faz lembrar Rui Barbosa que, em conferência intitulada A Crise Moral, indagava:

De onde emana essa longa série de perversões? Do mecanismo das leis? Não, senhores: da corrupção dos homens. Enquanto se não atacar essa corrupção nas suas fontes, baldadas serão todas as leis, com que nos pro¬curemos aliviar.

Corrupção sempre houve, e haverá. A perplexidade decorre das intermináveis práticas criminosas em que mergulharam integrantes dos três Poderes da República, assessores, cabos eleitorais, servidores públicos, lideranças sindicais, representantes da iniciativa privada, e vasto pomar de “laranjas”.

Os fatos se sucedem para, algum tempo depois, recolherem-se aos bastidores, até caírem no esquecimento. O escândalo do mês será convertido em inquérito preparatório de ação judicial, propiciadora de intermináveis petições, audiências, provas, perícias, recursos, nunca se atingindo a “sentença transitada em julgado”, sem a qual o maior dos quadrilheiros continuará beneficiário da inocência presumida.

Quais as razões que nos precipitaram neste pântano sem margens e sem fundo? Alguns citam a falta ou fragilidade da legislação. Outros acusam a morosidade das investigações policiais, a leniência do Judiciário, o procedimento dispersivo do Ministério Público, a inconclusão das comissões parlamentares de inquérito.

A recém-nascida Lei da Ficha Limpa, fruto de trabalhosa iniciativa popular, era esperada como remédio eficaz para a crise de moralidade. Todo o esforço, entretanto, parece comprometido por emendas de algibeira, introduzidas na undécima hora, com visível, escandaloso e duplo propósito: 1) permitir que corruptos concorram às eleições deste ano: 2) abrir largas brechas para imediata exploração no Poder Judiciário, com o único objetivo de protelar o impacto da norma legal. É a conclusão que se retira de editoriais, e das colunas abertas a comentários dos eleitores.

Grandes pecula¬tários, cujas fotografias presos e algemados foram divulgadas pela imprensa, poderão ser beneficiados pela presunção da inocência, em razão da falta de trânsito em julgado das condenações, e autorizados a disputar mandatos executivos e legislativos, pois permanecerão a salvo, não se sabe até quando, da Lei da Ficha Limpa.

Não me parece, porém, de todo correta a análise do Professor Lamonier, que peca ao lançar acusação sobre todos os brasileiros, e não se ocupa das vítimas dos corruptos.

Principiei a vida profissional em sindicatos de trabalhadores, lá no início da década de 1960. Em contato com tecelões, metalúrgicos, químicos, farmacêuticos, pessoal de limpeza, bancários, robusteci a crença de que o povo é trabalhador, patriota e sofrido. No exercício de funções públicas, que incluíram mandatos de deputado estadual, a direção da Secretaria do Trabalho de São Paulo, a chefia do Ministério do Trabalho, a presidência do Tribunal Superior do Trabalho, convivi com governadores, ministros, juízes, procuradores, advogados, servidores e empresários imbuídos de incomparável sentido de responsabilidade. Uns e outros são vítimas da velhacaria que se espalha pela administração pública, apropria-se de recursos e os envia para paraísos fiscais no exterior, ou os aplica em investimentos fraudulentos no País.

Encerrado o regime autoritário, os exercentes de mandatos executivos e legislativos passaram a ser eleitos diretamente pelo povo, em parte responsável, portanto, pela corrupção que grassa. Não podemos nos esquecer, todavia, da culpa que recai sobre os partidos, cujos donos – e a expressão mais adequada é essa – vivem de negociar alianças espúrias, celebradas segundo conveniências nacionais, estaduais ou municipais, e que, em grande número de casos, envolvem financiamento de campanha, distribuição de cargos e empregos, tempo disponível na televisão.

Mesmo com os defeitos já anunciados, a Lei da Ficha Limpa representa importante avanço, o que também se deu com a exigência da fidelidade partidária, em boa hora imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Os progressos registrados na economia e a estabilização da moeda não devem servir de camuflagem à decadência moral que contamina as instituições, o que nos faz relembrar Rui Barbosa, com a criação da seguinte frase: De tanto ver prevalecer a corrupção, o homem passa a ter vergonha de ser honesto.


Almir Pazzianotto Pinto
Advogado. Foi Ministro do Trabalho e Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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